PERGUNTA: O que é a carta de divórcio mencionada na Bíblia?
RESPOSTA: Que fique claro que, ao contrário do que a maioria dos líderes judeus e cristãos ensina, não existe nenhuma instrução divina sobre a tal “carta de divórcio” — e muito menos a ideia de que a mulher que a recebe esteja livre para um novo matrimônio.
Moisés menciona a “carta de divórcio” apenas como parte de uma ilustração em Deuteronômio 24:1-4, com o objetivo de conduzir ao verdadeiro mandamento contido na passagem: a proibição de o primeiro marido voltar a se deitar com sua ex-mulher caso ela tenha se deitado com outro homem (ver Jeremias 3:1). A propósito, o primeiro marido até poderia recebê-la de volta — mas não podia mais ter relações com ela, como vemos no caso de Davi e das concubinas violadas por Absalão (2 Samuel 20:3).
A principal evidência de que Moisés está apenas ilustrando uma situação é a repetição da conjunção כִּי (ki, “se”) no texto: Se um homem toma uma mulher… Se ele acha nela algo indecente [עֶרְוָה, ervah, “nudez”]… Se o segundo marido morrer… Moisés constrói um cenário possível como instrumento de retórica.
Jesus foi claro ao dizer que Moisés não proibiu o divórcio, mas isso não significa que aquela passagem seja uma autorização formal. De fato, não há nenhuma passagem em que Moisés autorize o divórcio. Ele apenas adotou uma postura passiva diante da dureza do coração do povo — um povo recém-saído de cerca de 400 anos de escravidão.
Esse entendimento equivocado de Deuteronômio 24 é muito antigo. Nos dias de Jesus, o rabino Hillel e seus seguidores também extraíram dessa passagem algo que não está lá: a ideia de que o homem pode mandar sua mulher embora por qualquer motivo. (O que “nudez” עֶרְוָה tem a ver com “qualquer motivo”?)
Jesus, então, corrigiu esses erros:
1. Ele enfatizou que πορνεία (porneía — algo indecente) é o único motivo aceitável.
2. Deixou claro que Moisés apenas tolerou o que faziam com as mulheres, por causa da dureza do coração dos homens de Israel.
3. No Sermão da Montanha, ao mencionar a “carta de divórcio” e concluir com a expressão “Eu, porém, vos digo”, Jesus proibiu o uso desse instrumento jurídico para a separação de almas (Mateus 5:31-32).
É importante frisar que, se Moisés não ensinou nada sobre o divórcio, é porque Deus não o instruiu a fazê-lo — afinal, Moisés era fiel e dizia apenas o que ouvia de Deus.
A expressão hebraica סֵפֶר כְּרִיתֻת (sefer keritut), que significa literalmente “livro de separação” ou “carta de divórcio”, aparece apenas uma vez em toda a Torá — justamente em Deuteronômio 24:1-4. Ou seja, em nenhum lugar Moisés ensinou que os homens deveriam usar essa carta para mandar suas esposas embora. Isso indica que se tratava de uma prática já existente, provavelmente herdada do período de cativeiro no Egito. Moisés apenas mencionou algo que já era feito, mas não o instruiu como mandamento divino. Vale lembrar que o próprio Moisés, cerca de quarenta anos antes, viveu no Egito e certamente conhecia esse tipo de instrumento jurídico.
Fora da Torá, o Tanach também usa a expressão sefer keritut apenas duas vezes — ambas de forma metafórica, referindo-se à relação entre Deus e Israel (Jeremias 3:8 e Isaías 50:1).
Nesses dois usos simbólicos não há qualquer indicação de que, por Deus ter dado uma “carta de divórcio” a Israel, a nação estaria livre para se unir a outros deuses. Pelo contrário, a traição espiritual é condenada em todo o texto. Ou seja, nem simbolicamente essa “carta de divórcio” permite uma nova união da mulher.
Jesus também nunca reconheceu essa carta como algo autorizado por Deus para legalizar a separação entre almas. As duas vezes que ela aparece nos Evangelhos são em Mateus — e uma vez no paralelo de Marcos (Marcos 10:4):
1. Mateus 19:7-8: os fariseus a mencionam, e Jesus responde que Moisés apenas permitiu (epétrepsen) o uso da carta por causa da dureza do coração deles — ou seja, não foi mandamento de Deus.
2. Mateus 5:31-32, no Sermão da Montanha, quando Jesus diz:
“Foi dito: ‘Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que repudiar sua mulher, a não ser por causa de porneía, a faz adulterar; e quem se casa com a repudiada comete adultério.”
Portanto, essa tal “carta de divórcio” nunca foi uma autorização divina, mas apenas algo tolerado por Moisés diante da dureza do povo. Nenhuma parte das Escrituras dá suporte à ideia de que, ao receber essa carta, a mulher estaria espiritualmente desligada e livre para se unir a outro homem. Essa ideia não possui respaldo na Palavra e se trata de um mito. O ensino de Jesus, claro e direto, confirma essa verdade.