Este é mais um mandamento que não tem nenhum argumento teológico que justifique o fato de que praticamente nenhuma denominação ensine que deve ser obedecido por todos os fiéis do sexo masculino. Sabemos que este era um mandamento observado por todos os judeus no período bíblico, sem interrupção, porque, ainda que de uma forma errada nos seus detalhes, os judeus ultraortodoxos atuais nunca pararam de observá-lo. Também não há dúvida de que Jesus e todos os seus apóstolos e discípulos eram fiéis cumpridores de todos os mandamentos contidos na Torá, incluindo o de Levítico 19:27: “Não raspem o cabelo ao redor da cabeça nem raspem o contorno da barba rente à pele”.
Os primeiros cristãos começaram a se afastar do mandamento de Levítico 19:27, principalmente devido à influência cultural ao longo dos primeiros séculos da era cristã.
INFLUÊNCIA GREGA E ROMANA
À medida que o cristianismo se espalhou pelo mundo greco-romano, os convertidos trouxeram consigo suas práticas culturais. Tanto os gregos quanto os romanos tinham normas de higiene e apresentação pessoal que incluíam o corte de cabelo e barba. Essas práticas influenciaram os costumes dos cristãos gentios. Este deveria ter sido o período em que os líderes da igreja fossem firmes quanto à necessidade de se manterem fiéis aos ensinos dos profetas e de Jesus, independentemente de valores e práticas culturais. Não deveriam ceder em relação a nenhum dos mandamentos de Deus, mas a falta de firmeza foi passando de geração em geração, resultando em um povo fraco e incapaz de ser fiel à Lei de Deus. Essa fraqueza persiste até os nossos dias, onde encontramos uma igreja distante daquela que Jesus iniciou. A única razão pela qual ela ainda existe é porque, como sempre, Deus mantém os sete mil que não dobraram o joelho a Baal e nem o beijaram (1 Reis 19:18).
PRÁTICA AO LONGO DOS SÉCULOS
Durante os primeiros séculos, a prática de não cortar o cabelo e a barba foi gradualmente abandonada pelos cristãos gentios, enquanto os judeus messiânicos (judeus que aceitavam a Jesus como o Messias) continuaram a observar todos os mandamentos de Deus contidos na Torá até que a separação entre judaísmo e cristianismo se tornou mais distinta. Nos séculos seguintes, especialmente após a legalização do cristianismo no Império Romano com o Edito de Milão em 313 d.C., as práticas culturais romanas se tornaram ainda mais prevalentes entre os cristãos.
Ou seja, os primeiros cristãos começaram a ignorar o mandamento de Levítico 19:27 devido à combinação de influências culturais do mundo greco-romano e uma interpretação secular das Escrituras, diferente daquela que Jesus ensinou. Esta mudança refletiu uma adaptação do cristianismo ao contexto cultural secular predominante enquanto ainda tentava manter uma conexão com os primeiros cristãos, que eram fieis a todos os mandamentos de Deus, assim como Jesus: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir” (Mateus 5:17).
JESUS, A BARBA E O CABELO
Jesus Cristo, em sua vida, nos deu o exemplo de como todo aquele que deseja a vida eterna deve viver aqui neste mundo. Ele demonstrou a importância de cumprir todos os mandamentos do Pai, incluindo o mandamento sobre o cabelo e barba dos filhos de Deus. A importância do seu exemplo serviu em dois aspectos importantes: um para a sua própria época e outro para as futuras gerações de discípulos.
Para o seu próprio período, o exemplo de Jesus em obedecer à Torá serviu para eliminar muitos dos ensinamentos rabínicos que predominavam entre os judeus. Esses ensinamentos tinham a aparência de serem ultra fiéis à Torá, mas na verdade eram em grande parte tradições humanas destinadas a manter o povo “escravo” de suas tradições.
Nas profecias de Isaías sobre Jesus, uma das torturas que Ele sofreu foi ter sua barba puxada e arrancada: “Ofereci minhas costas àqueles que me batiam, as faces àqueles que arrancavam minha barba; não escondi o rosto da zombaria e dos cuspes” (Isaías 50:6).
COMO CUMPRIR CORRETAMENTE ESTE MANDAMENTO ETERNO
- Tamanho do Cabelo e Barba: O homem deve manter o cabelo e a barba em um tamanho que deixe claro que ele tem ambos, mesmo quando observado de longe. Nem muito longo nem muito curto, mas o principal é que não sejam curtos demais.
- Não Raspar o Contorno Natural: O cabelo e a barba não devem ser raspados no seu contorno natural. Essa é a palavra-chave do mandamento: פאה (Peá), que significa contorno, extremidade, fronteira, esquina, quina, lados. Não se refere ao comprimento de cada fio, mas sim ao contorno do cabelo e barba. Por exemplo, esta mesma palavra é usada referindo-se a uma plantação: “Quando fizerem a colheita da sua terra, não colham até as [פאה] extremidades da sua lavoura, nem ajuntem as espigas caídas de sua colheita” (Levítico 19:9).
Esses pontos são essenciais para a correta observância do mandamento, assegurando que os homens sigam fielmente a instrução divina sobre o cabelo e a barba.
ARGUMENTOS INVÁLIDOS PARA NÃO OBEDECER A ESSE MANDAMENTO DE DEUS:
INVÁLIDO: Só precisa obedecer quem deseja ter barba.
Alguns homens, incluindo líderes messiânicos, argumentam que não precisam obedecer a esse mandamento porque raspam a barba por completo. Nesse entendimento ilógico, o mandamento só se aplicaria se a pessoa decidisse “ter barba”. Ou seja, apenas se o homem quisesse ter barba (ou cabelo), ele teria que seguir as instruções de Deus. Esse raciocínio conveniente não está no texto sagrado. Não existe o condicional “se” ou “caso”, mas apenas instruções claras sobre como o cabelo e a barba devem ser mantidos.
Dentro dessa mesma lógica, a pessoa poderia se esquivar de outros mandamentos, como o do Sábado: “Não preciso guardar o sétimo dia porque não guardo nenhum dia”, ou das carnes proibidas: “Não preciso me preocupar com a proibição de certas carnes porque eu nunca pergunto que carne está no prato”. Esse tipo de atitude não convence a Deus, pois o Senhor percebe que o indivíduo considera as leis de Deus, não como algo agradável, mas sim como uma inconveniência que preferiria se não existisse. Um contraste com a atitude dos salmistas: “Ó Senhor Deus, ensina-me a entender as tuas leis, e eu sempre as seguirei. Dá-me entendimento para que eu possa guardar a tua lei e cumpri-la de todo o coração” (Salmos 119:33-34).
INVÁLIDO: O mandamento sobre a barba e o cabelo tinha a ver com as práticas pagãs das nações vizinhas.
Em Levítico 19:27, o mandamento sobre não raspar o cabelo ao redor da cabeça e nem raspar o contorno da barba rente à pele é frequentemente mal interpretado como relacionado a rituais pagãos sobre os mortos. Entretanto, ao examinarmos o contexto e a tradição judaica, notamos que essa interpretação carece de base sólida nas Escrituras.
O texto em hebraico diz: “לא תקפו פאת ראשכם, ולא תשחית את פאת זקנך” (lo taqqifu peá roshkhem, velo tashchit et peá zekanekha), que significa: “Não raspem o cabelo ao redor da cabeça nem raspem o contorno da barba rente à pele” A palavra פאת (peá) significa contorno, extremidade, fronteira, esquina, quina ou lados. Esse mandamento é uma instrução clara sobre aparência pessoal, sem qualquer menção a práticas pagãs sobre os mortos ou algum outro costume pagão.
O capítulo 19 de Levítico contém uma vasta gama de leis que abrangem diversos aspectos da vida diária e da moralidade. Entre elas estão mandamentos sobre não comer sangue (v. 26), a guarda do sábado (v. 3 e 30), o tratamento justo aos estrangeiros (v. 33-34), a honra aos idosos (v. 32), o uso de pesos e medidas honestas (v. 35-36), a proibição de misturar diferentes tipos de sementes (v. 19), e a mistura de lã e linho em vestes (v. 19). Cada uma dessas leis reflete uma preocupação específica de Deus com a santidade e a ordem dentro do povo de Israel. Assim, é fundamental que cada mandamento seja considerado em seu próprio mérito. Não se pode simplesmente afirmar que o mandamento de não cortar o cabelo e a barba (v. 27) está ligado a práticas pagãs, apenas porque o versículo 28 menciona cortes no corpo pelos mortos e o versículo 26 aborda a feitiçaria.
Embora existam algumas passagens na Tanach que conectam o ato de raspar o cabelo e a barba ao luto, em nenhum lugar das Escrituras foi dito que um homem pode raspar o cabelo e a barba desde que não esteja fazendo isso em sinal de luto. Essa condição, portanto, é uma adição humana, uma tentativa de criar exceções que Deus não colocou em Sua Lei. Tal interpretação acrescenta cláusulas que não estão no texto sagrado, revelando uma busca por justificativas para evitar a obediência total. Essa atitude de ajustar os mandamentos segundo conveniências pessoais, em vez de seguir o que foi claramente ordenado, vai contra o espírito de submissão à vontade de Deus. O que de fato ocorre nessas passagens sobre não raspar o cabelo e a barba para os mortos, é um alerta de que esse argumento não seria aceito para justificar a quebra do mandamento sobre o cabelo e barba.
OS JUDEUS ORTODOXOS
Ainda que eles tenham um entendimento errado em certos detalhes sobre o corte do cabelo e barba, os judeus ortodoxos, desde os tempos antigos, sempre entenderam o mandamento de Levítico 19:27 como separado das leis referentes a práticas pagãs. Eles mantêm a distinção, compreendendo que a proibição reflete um princípio de santidade e separação, não ligado ao luto ou rituais idólatras.
As palavras hebraicas usadas no versículo 27, como תקפו (taqqifu), que significa “cortar ou raspar ao redor”, e תשחית (tashchit), que significa “danificar” ou “destruir”, indicam uma proibição de modificar a aparência natural do homem de maneira que desonre a imagem de santidade que Deus espera de Seu povo. Não há nenhuma ligação direta com as práticas pagãs descritas nos versículos anteriores ou seguintes.
Assim, afirmar que Levítico 19:27 está relacionado a rituais pagãos é incorreto e tendencioso. O versículo faz parte de um conjunto de mandamentos que orientam a conduta e a aparência do povo de Israel, e foi sempre entendido como uma ordem separada dos ritos de luto ou idolatria mencionados em outras passagens.
TODOS OS MANDAMENTO SE APLICAM AOS GENTIOS
Tanto os descendentes biológicos de Abraão quanto os gentios que se unirem ao povo de Deus terão que obedecer a todos os mandamentos, sem exceção: “A assembleia deverá ter as mesmas leis, que valerão tanto para vocês como para o estrangeiro (גר, ger) que vive entre vocês; este é um decreto perpétuo pelas suas gerações, que, perante o Senhor, valerá tanto para vocês quanto para o estrangeiro residente (גר). A mesma lei e ordenança se aplicará tanto a vocês como ao estrangeiro residente (גר)” (Números 15:15-16).
O ESTRANGEIRO RESIDENTE
(Todos os Gentios, no Passado e Presente, Que Querem Fazer Parte do Povo de Deus)
Este termo (גר, ger) se refere a um estrangeiro, um indivíduo não-judeu que vive permanentemente entre os israelitas e se compromete a seguir suas leis e práticas de fé no único e verdadeiro Deus. O “ger” era diferente de outros tipos de gentios em contato com Israel, pois ele se integrava na comunidade e adotava um estilo de vida idêntico ao dos israelitas, incluindo a observância das santas leis de Deus.
Outros tipos de estrangeiros incluíam:
- Nokri (נכרי): Um estrangeiro que não tinha laços com a comunidade israelita e geralmente era visto como um visitante ou comerciante temporário. Eles não eram obrigados a seguir as leis de Israel, mas deviam respeitar algumas normas básicas enquanto estivessem no território.
- Toshav (תושב): Este termo pode se referir a um residente temporário ou um imigrante que vivia entre os israelitas, mas que não se comprometia com a plena observância das leis religiosas de Israel. Embora eles pudessem viver por longos períodos no território, não tinham os mesmos direitos e deveres que os “gerim” (plural de “ger”).
O “ger” tinha um status especial, pois ao aceitar as leis de Deus, ele podia participar plenamente da vida religiosa e social da comunidade. Isso incluía a participação em sacrifícios e festividades.
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